Alzheimer, ladrão de memórias
Alzheimer, doença neurodegenerativa falada e estudada em várias cadeiras de ciências farmacêuticas, como em muitas outras áreas da saúde, e que a mim me diz tanto. Estou a presencia-la, já lá vão alguns anos, com um dos pilares mais importantes da minha vida.
Tudo começa com aqueles pequenos esquecimentos característicos da fase inicial como não saber onde se pousa os óculos, ou umas chaves, que depressa se conciliam com mudanças de humor súbitas, e personalidade irregular. Manifestações de que algo não está bem, não pode ser só depressão... É aqui que se começa a colocar a possibilidade, por parte dos familiares, do diagnóstico desta doença. Contudo, sempre na esperança de ser só uma fase e das coisas melhorarem, com o tempo. Mas o tempo nesta doença é inimigo, e a única coisa que faz é roubar, dia após dia, um pouco mais da pessoa. Todos nós somos feitos de memórias e vivências, e isso é o que nos faz crescer e o que define quem realmente somos. Se nos tiram isso, tiram-nos tudo.
Surge inevitavelmente o dia da confirmação, o dia em que o médico afirma a dura realidade. Em que a família, mais do que nunca, tem que se manter unida e tentar fazer o melhor para lidar com a situação, com este desafio que vem sem ninguém querer e sem ninguém saber como o conseguir enfrentar. A verdade é que é uma aprendizagem todos os dias, porque cada dia é diferente, e o que um doente com esta demência se lembra hoje, poderá não se lembrar amanhã. Acaba por afetar mais quem está a volta do que quem a tem verdadeiramente, porque se vê a pessoa que outrora estava bem e com saúde a perder completamente a noção da realidade e a entrar num mundo só seu, imaginário e desfasado do presente.
As conversas passam-se a basear maioritariamente em vivências passadas, na repetição infindável das mesmas histórias a cada dia, a cada minuto. Quanto ao presente, vão fixando uma memoriazita aqui, e outra acolá, principalmente situações que os marcam especialmente, porém de notar que estes episódios vão-se tornando cada vez mais raros. Com o decorrer dos dias passam a desconhecer caras de amigos e família que não veem tão frequentemente. Começam a deixar de conseguir fazer coisas sozinhos, tornando-se cada vez mais dependentes dos outros. Não contrariar, e tentar entrar nos seus raciocínios é uma das grandes chaves para lidar com pessoas com Alzheimer.
Contudo, há uma coisa que estimula o meu avô e que faz com que, nos momentos em que ele está mais perdido e triste, o temperamento mude e rapidamente se transforme em alegria e satisfação total: a música. Ouvir, cantar e dançar músicas principalmente do seu tempo de juventude passaram a ser um dos seus passatempos preferidos.
Quando estamos juntos, pede-me sempre para cantar com ele, ou então para lhe tocar piano. "Que bonito, tocas tão bem..." diz ele enquanto bate palmas e os seus olhos brilham. Nisto, rapidamente se junta e carrega em teclas aleatórias, querendo contribuir e dando o seu melhor para acompanhar a neta no ritmo da música. Ficamos ali, esquecidos das memórias perdidas, numa cumplicidade especial que sempre existiu entre os dois, desde que me lembre. Sou feliz de todas as vezes que lhe consigo criar sorrisos, e fixo-me nas coisas boas que ainda restam dele. Sei que um dia até isso o tempo me vai roubar, mas é como tudo na vida, temos que saber aproveitar e dar valor a tudo o que temos de presente. Daqui a pouco voltarei a estar com ele, perguntar-me-á se volto hoje para o Porto, como sempre pergunta, incontáveis vezes, e felizmente desta vez vou poder repetidamente dizer-lhe que não, porque sei que ficará feliz com notícia.
Texto: Diana Lia Oliveira
Créditos imagem: Diana Lia Oliveira