Cabo das Tormentas

18-03-2018

"Deus quer, o Homem sonha, a obra nasce".

Quando Fernando Pessoa escreveu este verso - mote do primeiro de doze poemas da célebre segunda parte (Mar Português) do poema épico Mensagem - talvez estivesse longe de imaginar que, no futuro, uma qualquer instituição de ensino lhe pudesse vir a desfigurar o sentido. Mas, a verdade é que, há mais de um mês que os estudantes da FFUP não veem para lá do Horizonte.

Apesar de todas as promessas feitas a Santa Rita de Cássia, da tradicional roupa interior azul, da overdose de uvas passas e de minutos eternos de pura reflexão despojados numa folha de rascunho, o novo ano trouxe consigo um janeiro stressante, mas monótono; desgastante, mas sedentário. Ao ponto de ser legítimo perguntar: ainda te lembras daqueles objetivos de 1990 nos quais ias mesmo começar a investir? Pois é! Morreram mais depressa do que Pessoa escreveu os singelos quatro versos do Epitáfio de Bartolomeu Dias.

Por mais que Deus queira, o homem até pode sonhar, mas a construção do Quinto Império no complexo ICBAS/FFUP é tão provável como o ressurgimento de D. Sebastião.

Antes da viragem do ano, ainda havia um ou outro estímulo que nos motivava a percorrer este longo e tumultuoso caminho. Quem não se lembra, por exemplo, do dia em que Os Colombos, que "haverão de ter/O que houvermos de perder", nos acusaram de falarmos alto demais? É claro que a resposta não tardou, até porque um ffupiano de gema sabe como proteger o seu Brasão. Foram momentos de um nervoso miudinho, de uma brincadeirinha que alimentou egos e que valeu A Coroa à, sempre invencível, equipa roxa.

Agora, que chove na cantina quando, em simultâneo, ao ar livre não há sinal de aguaceiro, a coisa pia mais fininho. Quem não acreditava em maldições dá por si a pensar que lhe rogaram uma praga e quem não era nada supersticioso passou a benzer-se antes dos exames. Maus presságios não faltam, pelo menos nas salas dos computadores. Vais com a fezada de que te sentaste no lugar mais estratégico e de que aquele rato veio d'As Ilhas Afortunadas e, instantes depois, lá te surge a Tormenta da dança das cadeiras em que, com sorte, A Última Nau é a secretária do professor.

Do mesmo karma já não se podem queixar os estudantes do quinto ano. Finalista pode tudo e pode tanto que as próprias instalações da faculdade não estão devidamente apetrechadas para receber os alunos na sua derradeira passagem pelo Cabo das Tormentas.

Nos grupos de dúvidas o alvoroço é constante e Os Avisos não tardam em chegar. Há sempre alguém que decide disseminar a bactéria Enfuriadella falsalarmis pela comunidade estudantil e levar a sua capacidade de resiliência ao limite.Como se nada disto bastasse, também os docentes começam a sentir algumas dificuldades em lidar com O Mostrengo: o tempo que não chega para tudo, ou que, desprovido de qualquer eufemismo, não chega para rigorosamente nada!

Não há tempo para estudar nem tempo para corrigir exames. Vamos vivendo debaixo das asas do Nevoeiro: "Nem rei nem lei, nem paz nem guerra". Consentir. Aliás, não foi com este espírito de condescendência que Vasco da Gama chegou à Índia? Também nós certamente lá chegaremos, recorrendo aos superpoderes da SuperNanny! E, agora que penso nisso, inscrever a FFUP talvez nem fosse uma má aposta. Afinal, a vida custa a todos, mas, as propinas, só a alguns.                                                                                   


Texto: Andreia Moreira 

Créditos imagem: Vortex Magazine

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