Queimando

18-03-2018

Erguem se nos céus fitas de diversas cores após soar a corda da última guitarra. A noite funde-se com o fado que nos possui, as insígnias continuam a serrar os ventos e a dissolverem o som de um tempo que foi nosso, mas que já passou. Efémero é o tempo que corta a alma roxa e a faz sangrar de saudade. Saudade, palavra tão portuguesa, tão nossa como o preto que envergamos. É sangue de nostalgia e de alegria partilhada. Sangue que une uma família em que o nome estará para sempre presente por entre os nossos apelidos.

Caem lágrimas salgadas pelo rosto. Lágrimas estas que não fazem jus à doçura do nosso caminho. Poucos são os que entendem o sentimento que floresce do nosso peito. Foi uma semente que deglutimos no primeiro dia e que, sem saber, germinou aos pouquinhos dentro de nós. Assim, a planta nutriu-se com o colecionar de momentos e foi brotando de uma forma inimaginável. Agora, ao som do fado, toma dimensões desumanas, dói no peito e desagua pelos olhos. Em volta está tudo de preto. Não há contraste entre o céu e as vestes. As guitarras soam e por vezes avistam-se pinceladas de roxo nas pastas que teimam a levantar-se na noite. Os novos pretos sentem pela primeira vez a dor nos pés e o peso de uma capa traçada. 

Em volta, amigos e colegas abraçam-se e há uma alegria nostálgica no ar, alegria de pertencer a algo tão maior que eles. E é assim que o preto abandona a sua designação sombria e toma uma cor e magia inexplicável invisível aos demais. 

Dias depois, rodam os pneus dos carros coloridos pela estrada. Pelas ruas da Invicta, ouvem se os sapatos na calçada e os gritos de jovens estudantes que enaltecem as cores estampadas nas suas t-shirts. O Porto transforma-se numa tela salpicada de cor e de gente onde apenas alguns possuem o olhar certo para apreciar tal forma de arte. Assim, por entre as ruas, dá se uma tamanha e barulhenta exposição, repleta de preto e de povo contrastando com os diversos veículos que se vestem de flores de papel e rabiscos rebuscados. 

Liderando toda esta algazarra, encontramos os finalistas enfeitados de cartola e bengala lutando por conservar os olhos secos e fixos no seu percurso. Com eterna nostalgia, vão saboreando os seus últimos cartuchos com aqueles que cresceram ao seu lado desde o inicio até ao final da linha. Assim, a cada passo e a cada batida na cartola ficam cada vez mais felizes e esburacados.

Por outro lado, num andar superior, avistam se pinceladas de preto envergando as incólumes fitas. No seu interior, sentem um misto de alegria e tristeza pelo peso que estas acarretam e muitos procuram o tempo que lhes fugiu pelos dedos com uma rapidez desmesurada. 

Por último, rodeados de doutores, encontram se aqueles que constituem o sistema sonoro de todo o sistema. De roxo, cantam com pujança e com toda a alegria do mundo, pois, tal como crianças, sentem que pela frente o caminho é longo e tão extenso como o comprimento da cobra que suportam nos céus.

Desta forma, é possível apreciar a verdadeira arte expressa nesta pintura que é o Cortejo Académico. As diversas pinceladas retratam um ciclo que culmina nos Aliados com a tribuna como rito de passagem. Assim, apesar de a tela ser sempre a mesma, as personagens da pintura nunca envergarão duas vezes o mesmo papel, pois, a cada ano, a história é outra.


                                                                                                                              Texto: Lara Santos

                                                                          Créditos imagem: Federação Académica do Porto

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